Esquema de desvio de armas envolvendo policiais da Bahia terminou com morte de inocente, aponta investigação
13/08/2025
(Foto: Reprodução) Vítimas são Joseval Santos Souza (à esquerda) e Jeferson Sacramento Santos (à direita).
Reprodução/TV Bahia
A investigação realizada pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) e a Corregedoria da Polícia Civil sobre um esquema de desvio de armas, coordenado por policiais, em 2024, terminou com a morte de duas pessoas. Uma das vítimas não tinha envolvimento com a criminalidade.
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A denúncia, a qual o g1 teve acesso, apura detalhes de uma ação policial, realizada no dia 11 de julho de 2024, para encontrar um esconderijo de armas e drogas que pertencia a um integrante de facção criminosa. O local estava em um matagal de Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), e abrigava cerca de 20 fuzis, além de pistolas.
Policiais do Departamento de Polícia Metropolitana (Depom) e da Coordenação de Recursos Especiais (Core), da Polícia Civil da Bahia, participaram da ação e teriam mantido parte das armas encontradas, sem registro. Na época, os agentes declararam à imprensa baiana que foram apreendidas uma submetralhadora, seis fuzis e mais mil munições.
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Foto: Divulgação/Depom
Foram formalmente denunciados:
Roque de Jesus Dórea, capitão do Departamento Pessoal da Polícia Militar, conhecido como "capitão Dórea";
Jorge Adisson Santos da Cruz, ex-policial militar, demitido por envolvimento em crime de extorsão, mediante sequestro seguido de morte, em 2015;
Ernesto Nilton Nery Souza, soldado da Polícia Militar, lotado no bairro da Liberdade.
Ainda conforme a denúncia do MP-BA, a dupla Joseval Santos Souza - conhecido como "maquinista" e que respondia por tráfico de drogas - e Jeferson Sacramento Santos, enteado dele, foram levados pelo grupo de policiais até o local do esconderijo. Joseval atuou como informante do denunciado capitão Dórea, enquanto Jeferson teria permanecido no carro dele durante toda a ação.
Os dois foram encontrados mortos alguns dias depois, com sinais de tortura e perfurações por disparos de arma de fogo. Eles foram encontrados após a movimentação de familiares, que procuraram em hospitais da região e os encontraram no Instituto Médico Legal (IML) Nina Rodrigues.
No dia 13 de julho, o corpo de Jeferson foi identificado no Instituto Médico Legal (IML) Nina Rodrigues. Ele foi encontrado morto por volta das 3h, na Avenida 2 de Julho, região do bairro de Águas Claras, em Salvador.
Posteriormente, também no IML, estava o corpo de Joseval, ainda sem identificação. O irmão da vítima foi acionado e o reconheceu, no dia 14 de julho. Jeferson e Joseval foram sepultadas nos dias 14 e 15 de julho, respectivamente.
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Denúncia aponta que um dos mortos não tinha envolvimento com a criminalidade
Segundo o inquérito apresentado pelo MP-BA, Joseval e Jeferson trabalhavam em uma obra na cidade de Lauro de Freitas e haviam saído de casa por volta das 7h para trabalhar.
Após Jeferson não retornar no horário esperado, a esposa dele tentou ligar para ele diversas vezes. Às 22h do dia 11 de julho de 2024, ela recebeu uma mensagem em que ele afirmava que teria uma reunião "com os meninos".
Na madrugada do dia 12 de julho, a mulher recebeu uma nova mensagem feita pelo número de Jeferson, em que foi comunicado o sequestro do homem. Os sequestradores se identificaram como policiais e exigiram R$ 30 mil, via PX, para libertar Jeferson e Joseval.
Preocupada, a esposa de Jeferson registrou uma ocorrência na Delegacia Especial Antissequestro (DAS) e, a partir daí, o caso começou a ser investigado pelo delegado Adailton Adam. Foi ele o responsável por conectar a ação dos policiais com o desaparecimento dos dois homens.
Compra de R$ 12 revelou participação de PM
Segundo o delegado Adam, o soldado Nilton Nery, um dos denunciados pelo MP-BA, contou em depoimento que ouviu na mata onde o esconderijo foi encontrado, perguntarem ao delegado Nilton Tormes — exonerado da Polícia Civil em março deste ano por suspeita de participação no esquema — o que fazer com o informante. O policial civil teria respondido com a frase "dê o destino", indicando a execução de Joseval.
Após a tentativa de extorsão à família de Jeferson, o cartão da vítima foi utilizado para comprar um lanche no valor de R$ 12 em uma banca de caldo de cana, na cidade de Lauro de Freitas.
Essa foi uma das pistas principais da investigação, uma vez que quem utilizou o cartão foi o soldado Nery, um dos denunciados pelo MP-BA. Após isso, o militar chegou a abordar o delegado Adailton Adam e confessou a execução, assim como a utilização do cartão da vítima.
Soldado da PM Nilton Nery é investigado por participar da ação em julho de 2024 e usou o cartão do então desaparecido para comprar lanche
Reprodução/TV Bahia
Ainda conforme o responsável pela Delegacia Antissequestro, o militar admitiu ter ficado com uma das armas do esconderijo, sem ter registrado. O delegado afirmou ainda que após a conversa foi procurado pelo Cabo Tibério e o delegado Nilton Tormes, que pediram para que ele parasse com a investigação.
Delegado Adailton Adam conectou o desaparecimento de Jeferson e Joseval com a ação dos policiais investigados
Reprodução/TV Bahia
O que dizem os envolvidos
➡️ Em nota, a defesa do soldado Ernesto Nery disse que se só irá se manifestar nos autos do processo.
➡️ Já a defesa do ex-policial militar Jorge Adisson afirmou que não irá prestar esclarecimentos sobre o caso.
➡️ À TV Bahia, o cabo Tibério Alencar negou as acusações feitas pelo delegado Adailton Adam. Além disso, a defesa do militar pontuou que cumpriu dever constitucional durante a operação investigada e colaborou com as investigações, provando que não tem nenhuma participação em práticas ilegais. A defesa aponta ainda que o caso foi arquivado.(Confira nota na íntegra no final da matéria)
➡️ O ex-coordenador da Core, Douglas Pithon, afirmou que os policiais da unidade foram ouvidos nas condições de testemunhas e entregaram os celulares pessoais voluntariamente. Além disso, pontuou que a Core tem uma atuação específica em ações consideradas de alto risco e que não realiza perícia ou age em investigação criminal.
➡️ Sobre a perícia das armas ainda no esconderijo, o delegado Nilton Tormes afirmou que o procedimento não é feito no local da apreensão.
Além disso, o delegado exonerado afirmou que desconhece qualquer denúncia de desvios de pistolas feita por policiais da Core. Nilton afirmou que a conversa com Cabo Tibério e o delegado Adailton Adam, quando se discutiu sobre a soltura dos policiais presos, não aconteceu. Por fim, ele afirmou que desconhece a participação de um informante para a localização do esconderijo de armas.
➡️ O delegado Artur Gallas afirmou que a apuração das suspeitas estão sendo feitas pela Corregedoria da Polícia Civil, por isso não tem conhecimento sobre o caso.
➡️ Em nota, o delegado Adailton Adam afirmou já ter prestado esclarecimentos à Justiça e a Corregedoria da Polícia Civil, e que não fez nenhuma denúncia de desvio de armas. Ele ressaltou que o foi dito em depoimento está em apuração pela polícia.
Confira nota do cabo da Polícia Militar Tibério Alencar:
"Nota Oficial à Imprensa
Esclarecimentos sobre a Situação do Policial Tibério
Inicialmente, causa-nos estranheza a tentativa de vinculação de Tibério a fatos dos quais não tem nenhuma participação. Ele é um policial exemplar, que ao longo de décadas nunca respondeu, nem responde, a processo criminal ou administrativo. O fato relacionado à operação que apreendeu armamento foi legítimo, onde cumpriu seu mister constitucional na condição de agente de segurança pública. Na fase de investigação, meu cliente colaborou e foi ouvido, provando não ter nenhuma participação na prática de nenhum tipo penal. Os fatos narrados pela imprensa estão fora do contexto, misturando procedimentos sem nenhuma conexão, causando dano irreparável à honra e à imagem de Tibério.
Dinoermeson Tiago Nascimento"
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